Marte reviewed O dia em que voltamos de marte by Tatiana Roque
"Pare o mundo que eu quero descer", mas é de Marte que estamos descendo
4 stars
A capa do livro da Tatiana Roque tem algo que, eu não sei se foi proposital, mas se aproxima muito da representação visual da reação de Belousov-Zhabotinsky. Essa reação acontece fora da termodinâmica do equilíbrio, intimamente ligada à teoria do caos. E é exatamente sobre reações complexas encadeadas que não podem ser descritas por equações diferenciais que Tatiana Roque, matemática e historiadora da matemática, aborda em seu livro.
O livro de Roque tem alguns pontos principais, mas coloco luz sobre um dos mais interessantes para mim: como a ciência do clima, incluindo a comunicação sobre fenômenos do aquecimento global, pouco tem a ver com o modelo de ciência anterior, fortemente relacionado às certezas quase-exatas das equações diferenciais da astronomia. Saímos, durante o século XX, do modelo de ciência com certeza para a ciência que trabalha com aproximações estatísticas - nem por isso menos confiáveis. No meio de tudo isso, uma …
A capa do livro da Tatiana Roque tem algo que, eu não sei se foi proposital, mas se aproxima muito da representação visual da reação de Belousov-Zhabotinsky. Essa reação acontece fora da termodinâmica do equilíbrio, intimamente ligada à teoria do caos. E é exatamente sobre reações complexas encadeadas que não podem ser descritas por equações diferenciais que Tatiana Roque, matemática e historiadora da matemática, aborda em seu livro.
O livro de Roque tem alguns pontos principais, mas coloco luz sobre um dos mais interessantes para mim: como a ciência do clima, incluindo a comunicação sobre fenômenos do aquecimento global, pouco tem a ver com o modelo de ciência anterior, fortemente relacionado às certezas quase-exatas das equações diferenciais da astronomia. Saímos, durante o século XX, do modelo de ciência com certeza para a ciência que trabalha com aproximações estatísticas - nem por isso menos confiáveis. No meio de tudo isso, uma ruptura essencial: a Segunda Guerra Mundial e a bomba atômica que assolou Hiroshima e Nagasaki. A relação entre população geral e a casta técnica-científica nunca mais foi a mesma. O livro de Roque analisa tudo isso e mais um pouco. Tem um caráter mais generalista, é verdade, mas também não tem como abordar tanta coisa num livro só. Aqui, temos um panorama geral das relações entre ciência e política, e como não dá para separar as duas coisas, desde o século XVIII.
Mais importante ainda, Roque, ao final, aponta em quais caminhos podemos nos inspirar para soluções do buraco em que nos encontramos, tentando ao máximo trazer o panorama decolonial e privilegiar as visões de povos originários e afro-americanos. Às vezes, Roque dá umas deslizadas nesse assunto, mas achei uma tentativa mais do que válida, bem-sucedida.
Uma coisa que me incomodou enquanto química é que a linguagem é geral demais, ou seja, os públicos podem variar. Você não precisa ser um ás da matemática ou saber muito de ciência do clima e astronomia para entender os pontos desse livro, Roque é bem didática nisso. Mas, em alguns pontos, isso me incomodou um pouco. Coisa pessoal, mesmo.